sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

A hora da estrela


     Autora: Clarice Lispector

     Editora: Rocco 

     Sinopse: "Entre a realidade e o delírio, buscando o social enquanto sua alma a engolfava, Clarice escreveu um livro singular. 'A Hora da Estrela' é um romance sobre o desamparo a que, apesar da linguagem, todos estamos entregues."

     Muitos utilizam as palavras dessa escritora/autora/poeta/mulher para tentar explicar seus sentimentos internos e confusões. Sua obra, toda trabalhada nessa confusão e desespero de tentar compreender o outro, acaba nos levando a pensar juntamente com o seu narrador em como podemos compreender o outro quando mal conseguimos entender nós mesmos.

     Os livros da Clarice vão permear pelas análises da psicologia, da psicanálise, da filosofia e da própria literatura. São muitos os que tentam decifrar os enigmas que ela escreve e são poucos os que conseguem admitir que se identificam com a “loucura” que tanto julgam nos livros dela. Talvez esse seja o problema de muitos não conseguirem embarcar nas palavras dessa escritora incrível, dificilmente as pessoas irão admitir que a loucura e a lucidez dividem um espaço muito pequeno e podem se confundir às vezes, no final das contas todos querem parecer sãos e acabam não se entregando as suas próprias profundezas ou deixam de lado aqueles planos mirabolantes por medo de assumirem esse lado um pouco mais insano.

     Em “A hora da estrela” vamos ter um narrador (Rodrigo S.M) extremamente instável, sem o poder da verdade absoluta e completamente embebedado pela personagem. Mas a história não é do narrador, apesar dele ter um papel fundamental dentro do livro e questionamentos existencialistas importantes, a história que ele conta com medo de contar é sobre Macabéa, uma mulher e nada mais. Ele a descreve como um nada, mas, a meu ver, no final ela se torna o tudo. Ela é o vazio no meio do cheio, ela é inúmeras coisas em uma lista sem coisa alguma.

     Macabéa é uma jovem nordestina, ingênua e alienada que perdeu os pais muito criança e foi criada por uma tia cheia de tabus e acabou herdando isso. Vive uma vida miserável no Rio de Janeiro, dividindo um quarto com mais quatro mulheres. É datilógrafa, sem sonhos, anseios e desejos, sem saber quem ela mesma é. O livro cria uma crise existencial do narrador ao contar a história de uma mulher tão sem nada, mas um nada tão fascinante, que ele, talvez, seja o único que realmente tenha se encantado pela personagem. Não há nada que possa ser contado sobre ela, a vida dela não tem nenhum acontecimento e isso o próprio narrador faz questão de deixar muito claro o tempo inteiro. A personagem é o exemplo vivo das pessoas que não vivem, apenas existem. Ela é apenas uma existência. Ele a compara a um café frio, ruim e sem graça. Talvez o grande acontecimento de sua vida tenha sido um namorado, que sinceramente se fosse para ter algo com ele era melhor ter ficado sozinha. No trecho que eles se encontram pela primeira vez o narrador descreve essa paixão da seguinte forma: “E a moça, bastou-lhe vê-lo para torná-lo imediatamente sua goiabada com queijo.” NÃO MACABÉA, ESSA COMBINAÇÃO É BOA D+ PARA VOCÊ TORNÁ-LO ISSO. É DAR IMPORTÂNCIA DEMAIS A QUEM NÃO MERECE, MAS TUDO BEM!

Imagem retirada da internet - Macabéa adorava ouvir rádio relógio 

     O relacionamento dura um tempo, contudo não existe nenhuma emoção, é um relacionamento mais vazio que qualquer outra coisa. Lógico que durante esse tempo ela sente uns desejos que ela não sabe que sente e com certeza não saberia descrever, mas para os leitores fica muito claro o que, de fato, ela está sentindo. O tempo passa e esse namorado a troca por uma de suas colegas de quarto e mais uma vez, ela não consegui dialogar com as suas emoções, se é que ela possui alguma.

     Talvez essa seja a personagem mais carente de afeto que eu já tenha visto. Fiquei com uma vontade imensa de encontra-la e dizer o quanto ela poderia ser maravilhosa. O quanto ela poderia se descobrir e dizer que a vida é muito mais do que existir mecanicamente.

     Não vou dar muitos detalhes do final do livro, mas confesso que fiquei extremamente surpresa, triste e feliz ao mesmo tempo. Cheguei a muitas conclusões, me emocionei ao entender que mesmo com um final trágico, ela conseguiu que sua estrela brilhasse de certa forma.

     Podemos fazer muitas análises a partir deste livro. Podemos observar a instabilidade do narrador e comparar com os narradores anteriores que sempre tiveram total poder sobre suas histórias (para entender esta análise é preciso um pouco mais de aprofundamento na literatura brasileira), podemos compreender também a posição de invisibilidade do nordestino no Brasil da época e na atualidade e é claro, a grande crise existencial que passamos ao longo da vida. 




A hora da estrela foi adaptado para os cinemas em 1985 e em 2015 entrou para a lista dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos









“Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.” (p. 40)


Nenhum comentário:

Postar um comentário