Autora: Clarice Lispector
Editora: Rocco
Sinopse: "Entre a realidade e o delírio, buscando o social enquanto sua alma a engolfava, Clarice escreveu um livro singular. 'A Hora da Estrela' é um romance sobre o desamparo a que, apesar da linguagem, todos estamos entregues."
Muitos utilizam as palavras dessa
escritora/autora/poeta/mulher para tentar explicar seus sentimentos internos e
confusões. Sua obra, toda trabalhada nessa confusão e desespero de tentar
compreender o outro, acaba nos levando a pensar juntamente com o seu narrador em
como podemos compreender o outro quando mal conseguimos entender nós mesmos.
Os livros da Clarice vão permear pelas análises da
psicologia, da psicanálise, da filosofia e da própria literatura. São muitos os
que tentam decifrar os enigmas que ela escreve e são poucos os que conseguem
admitir que se identificam com a “loucura” que tanto julgam nos livros dela.
Talvez esse seja o problema de muitos não conseguirem embarcar nas palavras
dessa escritora incrível, dificilmente as pessoas irão admitir que a loucura e
a lucidez dividem um espaço muito pequeno e podem se confundir às vezes, no
final das contas todos querem parecer sãos e acabam não se entregando as suas
próprias profundezas ou deixam de lado aqueles planos mirabolantes por medo de
assumirem esse lado um pouco mais insano.
Em “A hora da estrela” vamos ter um narrador (Rodrigo S.M) extremamente
instável, sem o poder da verdade absoluta e completamente embebedado pela personagem.
Mas a história não é do narrador, apesar dele ter um papel fundamental dentro
do livro e questionamentos existencialistas importantes, a história que ele
conta com medo de contar é sobre Macabéa, uma mulher e nada mais. Ele a
descreve como um nada, mas, a meu ver, no final ela se torna o tudo. Ela é o
vazio no meio do cheio, ela é inúmeras coisas em uma lista sem coisa alguma.
Macabéa é uma jovem nordestina, ingênua e alienada que
perdeu os pais muito criança e foi criada por uma tia cheia de tabus e acabou
herdando isso. Vive uma vida miserável no Rio de Janeiro, dividindo um quarto
com mais quatro mulheres. É datilógrafa, sem sonhos, anseios e desejos, sem
saber quem ela mesma é. O livro cria uma crise existencial do narrador ao
contar a história de uma mulher tão sem nada, mas um nada tão fascinante, que
ele, talvez, seja o único que realmente tenha se encantado pela personagem. Não
há nada que possa ser contado sobre ela, a vida dela não tem nenhum
acontecimento e isso o próprio narrador faz questão de deixar muito claro o
tempo inteiro. A personagem é o exemplo vivo das pessoas que não vivem, apenas
existem. Ela é apenas uma existência. Ele a compara a um café frio, ruim e sem
graça. Talvez o grande acontecimento de sua vida tenha sido um namorado, que
sinceramente se fosse para ter algo com ele era melhor ter ficado sozinha. No
trecho que eles se encontram pela primeira vez o narrador descreve essa paixão
da seguinte forma: “E a moça, bastou-lhe vê-lo para torná-lo imediatamente sua
goiabada com queijo.” NÃO MACABÉA, ESSA COMBINAÇÃO É BOA D+ PARA VOCÊ TORNÁ-LO
ISSO. É DAR IMPORTÂNCIA DEMAIS A QUEM NÃO MERECE, MAS TUDO BEM!
Imagem retirada da internet - Macabéa adorava ouvir rádio relógio
O relacionamento dura um tempo, contudo não existe nenhuma
emoção, é um relacionamento mais vazio que qualquer outra coisa. Lógico que
durante esse tempo ela sente uns desejos que ela não sabe que sente e com
certeza não saberia descrever, mas para os leitores fica muito claro o que, de
fato, ela está sentindo. O tempo passa e esse namorado a troca por uma de suas
colegas de quarto e mais uma vez, ela não consegui dialogar com as suas
emoções, se é que ela possui alguma.
Talvez essa seja a personagem mais carente de afeto que eu
já tenha visto. Fiquei com uma vontade imensa de encontra-la e dizer o quanto
ela poderia ser maravilhosa. O quanto ela poderia se descobrir e dizer que a
vida é muito mais do que existir mecanicamente.
Não vou dar muitos detalhes do final do livro, mas confesso
que fiquei extremamente surpresa, triste e feliz ao mesmo tempo. Cheguei a
muitas conclusões, me emocionei ao entender que mesmo com um final trágico, ela
conseguiu que sua estrela brilhasse de certa forma.
Podemos fazer muitas análises a partir deste livro. Podemos
observar a instabilidade do narrador e comparar com os narradores anteriores
que sempre tiveram total poder sobre suas histórias (para entender esta análise
é preciso um pouco mais de aprofundamento na literatura brasileira), podemos
compreender também a posição de invisibilidade do nordestino no Brasil da época
e na atualidade e é claro, a grande crise existencial que passamos ao longo da
vida.
A hora da estrela foi adaptado para os cinemas em 1985 e em 2015 entrou para a lista dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos.
“Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.” (p. 40)