sábado, 31 de outubro de 2015

Conto : O crime dos Gatos

Oi galerinhaaaa, em homenagem ao Halloween , a nossa querida Autora Mércia Ferreira , nos cedeu esse maravilhoso conto de suspense e terror, vamos dar uma olhadinha ? 




Um conto de Mércia Ferreira

                                                         


                                                       O crime dos gatos



Há cerca de dois meses, em uma rua de um bairro pobre em uma cidade, gatos mortos começaram a ser encontrados pelas ruas todas as manhãs. Os bichos eram encontrados com um embrulho plástico preso às cabeças e com cortes na barriga, e se eram fêmeas, tinham os mamilos cortados. A cena era algo mórbido de se ver. Principalmente quando era uma criança que encontrava. As autoridades foram acionadas. Um crime macabro a seres tão inofensivos estava sendo cometido, todas as noites, nas ruas daquele bairro, e para todos eram um fato perturbador, tanto quanto misterioso. 

Há cerca de um ano e meio, nesta mesma rua houve um assassinato brutal. O marido chegou a casa e matou a mulher, exatamente da mesma forma como eram encontrados os seres vitimados nos dias atuais. Ele a matou com asfixia, e ainda lhe perfurou a barriga com facadas e lhe cortou os seios fora. Ninguém nunca soube o que aconteceu naquele dia quando ele chegou. Sabe-se apenas que ele chegou cedo do trabalho e cometeu tal ato. 
Mas o fato causador de tal fato não era a única incógnita para os investigadores ou para os moradores que presenciaram a policia levando o corpo da mulher e do homem. O casal tinha um filho de dez anos. Alguém na vizinhança ligou para a polícia naquela noite. Quando os policiais chegaram, a mulher já dava seus últimos suspiros, e seu fim foi inevitável. O homem se jogou contra um policial e foi baleado. Um sangramento ininterrupto no peito o levou a óbito antes de chegar a um hospital. O filho, em tanto tempo de investigação, nunca foi encontrado, ainda que morto. 
Um ano e meio depois e as marcas deixadas pela trágica história da família Brandão ainda habitavam a velha rua. Muitos moradores, não só da rua, mais do bairro, mudaram-se devido ao medo. As pessoas passaram a evitar passar em frente à casa e quando o faziam, olhavam para outro lado, com medo de que os espíritos ainda estivessem lá. 
Mas naquela noite, havia um ser a espreita. Um vigilante às escondidas, sobre o tetos das casas, apenas esperando o assassino de felinos aparecer. E naquela noite tudo estava a seu favor. Ao longe, quando as ultimas luzes foram apagadas nas casas e todos dormiam, ao longe uma sombra atravessou a rua. A sombra correu em direção à algo em um arbusto. Mesmo a distancia o vigilante escondido pôde ouvir o protesto de um felino. A sombra correu para o fim da rua, arrastando o pobre animal a força. 
Logo o vigilante desceu do teto que estava por uma árvore. Um arrepio causado pelo frio da noite percorreu a espinha do homem. Mas ele não parou. Andou rápida e cautelosamente para o fim da rua, em busca de sinais de por onde a pessoa entrou. O caminho percorrido levava exatamente para próximo à casa onde ocorreu o assassinato. 
Eliot, o vigilante, parou em frente à casa com o mesmo medo de todos, mas de algum lugar na casa abandonada dos Brandão veio um protesto esganiçado do gato. Ele agitava-se enormemente. Eliot correu, cercando a casa que tinha antes apenas jardins mortos ao seu redor, sem cercas ou muros na frente, e nos fundos apenas uma cerca mediana. Por entre as brechas da cerca ele avistou a sombra fazendo mal ao ser tão inofensivo. A face era impossível de ver, mas ouviu uma voz nada adulta, porém, forte, como se a pessoa estivesse fora de si. 
–Morra... Apenas morra sua desgraçada! –Eliot ergueu o corpo escondido e avistou um menino, por volta de uns doze anos, cabelo comprido que caía sobre os olhos e uma roupa surrada. 
Os pés desajeitados de Eliot pisaram em um galho que quebrou e fez barulho, chamando atenção do menino. A criatura macabra na frente de Eliot lhe lembrava de alguém, mas não sabia definir de quem se tratava a semelhança. 
Os cabelos negros do garoto esvoaçaram com um vento frio que inundou a noite. Eliot tremeu e seus pelos arrepiaram-se. O menino soltou o animal no chão, deu passos lentos para trás. o vigilante notou a estratégia do menino e fez menção à pular a pequena cerca. Apoiou então as mãos sobre a mesma e se lançou para dentro. Quando seus pés tocaram o chão interno do perímetro, vasculhou com os olhos o lugar onde o menino estivera. Ele havia sumido. Por um instante ficou aturdido, mas em seguida ouviu a porta da casa que há um tempo estava interditada, bater. 
Seus passos ligeiros seguiram o caminho da porta. Estava aberta. Ouviu os passos ligeiros do menino correndo dentro da casa. Seu medo era grande, mas sua determinação era maior, e naquela noite ele tinha que ter uma resposta para aquilo que vinha se passando naquela rua. 
Ouviu algo ser arrastado. Correu. E diante dos seus olhos, ao chegar a uma sala de moveis encobertos e tomada por teias de aranha viu o menino empurrando uma espécie de porta camuflada na parede. Uma passagem secreta. Aquela criatura sabia o que fazia ali. Ele conhecia a casa. Eliot teve flashes de memoria, recordando detalhes sobre aquela casa e o caso ali. 
–Bruno? –o menino voltou-se para ele, que não ouviu seus passos e nem notou sua presença. –É você, Bruno? 
–Você deve morrer! –os olhos do menino pareciam tochas acesas. Brilhavam contra a luz do farol da lanterna. Sua voz era algo estranho, arrastado. Era baixa, contida e assustadora. Mas em vez de partir para cima de Eliot, assim como seu jeito e palavras ameaçou, ele andou em direção ao lugar que ele abriu e seu corpo se escondeu na escuridão da passagem que levava Deus sabe para onde. 
–Droga! –Eliot exclamou raivoso. Ele encontrou o menino sumido, descobriu quem vinha cometendo este crime terrível na rua e encontrou o local que o abrigou todo este tempo. A passagem se fechou e ele ficou do lado de fora. Bruno travou a porta por dentro e ele nunca conseguiria abrir sozinho aquela porta. 
O rádio comunicador em seu bolso era a solução. Um contato e aquela porta seria colocada à baixo. 
–Esquadrão? Câmbio! 
–Jaguar na escuta, câmbio! 
–Jaguar, Águia Um aqui. Câmbio. 
–Qual a emergência? Câmbio. 
–Encontrei o assassino dos gatos, na Rua Benito Amaral. Preciso de reforço! Câmbio. 
–Localização exata? Câmbio. 
–Casa de Numero 2512. Lembra a casa do crime de um tempo atrás? Câmbio.
–Confere! Câmbio. 
–Estou dentro dela. Venham logo. Câmbio. Desligo. 
Em menos de trinta minutos os carros de policia começaram a parar na porta. A casa foi invadida. O capitão foi na frente e encontrou Eliot. 
–Que bela recepção! Onde ele está? –perguntou o capitão.
–Senhor, precisaremos de algo mais especial neste caso... –Eliot era cauteloso.
–Como assim? 
–Lembra do caso que ocorreu nesta casa? 
–Sim, lembro. O marido matou a mulher e o filho. O corpo do filho nunca foi achado. E o marido morreu baleado. Mas o que tem haver com o agora? 
–O senhor lembra como o homem matou a mulher? E lembra como os gatos foram encontrados? Ah, e quem afirmou que o menino foi morto? 
–O que está querendo me dizer? Sem rodeios, por favor! –o homem disse rispidamente.
–Senhor, todos os bichos que foram mortos, ele tem semelhanças em sua morte com a morte da mulher desta casa. A senhora Brandão! Todos, em especial as fêmeas, que são cortadas os mamilos também! E eu vi nesta noite...
–O que viu nesta noite? –o capitão já estava perdendo o pouco de paciência que lhe restava. 
–O menino, senhor... Ele não está morto. Ele está aqui, nesta casa. O Bruno está vivo! E creio eu que ele presenciou a morte da mãe. Ele fez aquilo tudo! 
–Como assim? E onde está o menino? Eu vim aqui buscar um criminoso e você me vem com uma historinha pra dormir? 
–Senhor, há aqui uma passagem secreta. Ele entrou aqui dentro, e nunca saiu. –Eliot apontou em direção à parede. –Teremos que derrubar. 
O capitão estava impaciente, andando de um lado para outro. Os pouco fios de cabelo que ainda tinha estavam suando, e seu corpo já velho estava cansado. O homem chamou sua equipe e ordenou: 
–Derrubem a parede. Até a casa se preciso for! E Eliot, venha aqui! 
Eliot andou para fora da casa com seu capitão. Lá fora haviam pessoas andando pelas calçadas, querendo saber o que se passava. O capitão virou para ele:
–Encontre a melhor clinica e os melhores médicos para cuidar desse garoto! Eu quero a melhor equipe possível! Falo questão! 
–Sim, senhor! Mas uma clinica pronta para isso custará algo bem razoável, e ele não tem mais família senhor, para pagar... E ele é só um menino, não pode ser jogado em um abrigo comum. Não no estado em que se encontra. 
–Como assim: estado em que se encontra? 
–Ele me disse que eu devo morrer. Ele me ameaçou senhor. No mínimo ele precisará de uns dois psiquiatras para cuidar dele. E nesta situação, a família dos pais dele não o quererá por perto. 
–Sim, o quererá! Principalmente sabendo que está recebendo o melhor tratamento possível... Agora ande até o meu carro e busque no porta luvas, e encontrará uma agenda. Nesta agenda tem os contatos de uma clinica muito boa. Diga que Jamarcus Lisboa Brandão o está enviando. 
O capitão Lisboa indicou o carro, que não era o de serviço e sim seu carro pessoal, liberou o alarme e partiu para dentro de novo. Eliot estava pensativo sobre aquilo tudo. Ao sentar no banco do carona do carro de seu superior, saiu tateando até achar a agenda. Quando a abriu, de dentro caiu uma enxurrada de fotos. Com a lanterna ele observou cada uma dela. 
Eram fotos da família Brandão, antes do assassinato. E tinha uma de Bruno, sorrindo, brincando em um balanço. Na época em que ocorreu o crime, Eliot ainda não havia sido transferido para a cidade, e não teve contato com a família do casal. Não que soubesse. Mas ali ele descobriu que viveu um bom tempo ao lado de um familiar mais que próximo. Como pôde nunca ter associado o seu capitão à família? 
A ultima foto era do capitã e o menino Bruno em seu colo, com chapéu de aniversário. O capitão era tio do menino. Irmão da mãe dele! E agora o reencontrou e queria protege-lo. Queria dar-lhe o melhor. 
A porta da passagem secreta foi derrubada por seis homens e seus machados. 
O menino estava encolhido em um canto, temeroso. O semblante quase demoníaco de antes estava escondido. Ele estava tremendo. Logo um policial se aproximou do menino. 
–Ei, garoto, eu não vou fazer mal a você! Você pode confiar em mim. Eu só preciso levar você comigo! Você confia em mim? –o policial falava mansamente para não assustar mais ainda o menino. 
Bruno meneou a cabeça em afirmativa para o homem que se aproximou dele devagar e o ergueu no colo. Quando o policial estava saindo para fora do lugar, o menino fez um barulho como um choro, recostado em seu peito. O homem baixou o olhar para ele, e o menino sorriu, como se estivesse no natal e recebeu o melhor presente. 
–Você deve morrer! –e o menino sacou da manga da camisa uma faca e deferiu um golpe no peito do homem. Todos presenciaram a cena. O homem o soltou, caindo de joelhos, em pura dor. O menino tentou correr, mas estava cercado. Era inevitável ser pego naquele dia. Dois policiais o seguraram por cada braço e um terceiro o revistou. Haviam mais duas facas pequenas nos bolsos. 
O menino olhou para cada um deles e disse a mesma frase:
–Você deve morrer! 
Aquela noite foi cansativa e cheia para todos. por sorte a força o menino não foi suficiente para matar o policial. Ele teve complicações, mas sobreviveu. 
A clinica recebeu o menino, mas todos o temiam. Ele foi colocado afastado de todos, em um quarto protegido e sem materiais pontiagudos. Mas nem assim as enfermeiras confiavam entrar em seu quarto sozinhas. Bruno nunca abriu a boca para dizer nada mais além da mesma frase de sempre. Todos os dias ele repetia as mesmas palavras para qualquer um que entrasse lá:
–Você deve morrer!
Um ano se passou e as mesmas três palavras eram as únicas que ele dizia. Nem mesmo os psicólogos e psiquiatras da clinica conseguiram fazê-lo falar. 
Mas naquela tarde, quando a nova psicóloga chegou para seu primeiro dia com o menino, e solicitou vê-lo, trouxe uma nova esperança para Jamarcus. 
Em frente à porta do quarto do garoto, Micaela parou, encarando a porta, acompanhada de três enfermeiros que foram destinados à garantir sua segurança lá dentro. Ela respirou profundamente e se voltou para os enfermeiros. 
–Certo... Eu não entrarei nesta sala com vocês! Só para que saibam logo, eu não trabalho desta forma. Se os mandaram, apenas os digam que é assim que funciona comigo e que se não aceitarem minha metodologia, tenho vários outros convites de clinicas no país todo me requisitando. 
–Mas nós recebemos ordens... –protestou um enfermeiro. 
–E está recebendo outra agora. Ou ficam de fora do Meu trabalho ou eu vou embora. Simples assim! E mesmo, fui informada de que têm câmeras escondidas no quarto. Vão para a sala de monitoração e fiquem de olho. E se, apenas se, eu correr risco, vocês vêm. Agora me deixem trabalhar! 
Um dos enfermeiros confirmou com um menear e abriu a porta. Ela deu-lhes as costas e adentrou a sala. 
Era uma sala totalmente branca. Sem desenhos ou vida. O menino estava sentado no chãos, ao lado da cama. Seu uniforme era uma simples camisola branca e enorme. Nos pés um chinelo de dedos. Os cabelos haviam sido cortados e mantinham ele em plenos tratos higiênicos. Nem mesmo as unhas cresciam, por cautela. E como fazer isso tudo? Ele era sedado sempre. 
–Bruno? –ela chamou. Ele sequer levantou a cabeça para olhar para ela. –Bruno! Olhe agora para mim! –ela foi ríspida, e funcionou. Ele olhou. Quando os lábios do menino iam se mover para proferir suas únicas palavras, ela o agiu. –Já sei! Eu tenho que morrer, blá, blá... Isso é chato sabia? Quer saber, você é mimado de mais por todos aqui, que ficam insistindo para você falar qualquer coisa que não seja essa sua baboseira de sempre, mas eu não! Eu vim apenas dar eu mesma o meu próprio recado! E quer saber qual é? –perguntou.
O menino a encarou e negou com a cabeça.
–Vim lhe dizer que todos os dias eu estarei aqui, na sua frente, por pelo menos uma hora. E não vou ficar falando besteira com você, ou implorando que fale nada. Mas você terá que me ver todos os dias. Não importa o que faça, ou o que quer, eu não vou desistir! E com o tempo você aprenderá a confiar em mim. E quando você vier a ver que está pronto para falar, você o fará sem pressão! –ela não era nada gentil em suas palavras. Nem parecia estar falando com um menino de treze anos. Ele a encarou, sentado no chão, e sem mover um centímetro do corpo. Ela apenas puxou uma cadeira simples, de plástico e sentou de frente para ele e nada mais disse. E aquela hora que parecia eterna passou e ele não disse nada, mas nada tentou contra a mulher. 
Um mês inteiro sem passou. Todos estavam espantados com a persistência e forma de agir de Micaela. Mesmo sem que Bruno falasse algo importante, mas para ela, ele nunca disse aquelas palavras de sempre. E agora ele conseguia se mover pelo quarto quando ela estava presente. E ela levou, mesmo correndo o risco de ele tentar algo, materiais de pintura, e papeis para ele colorir. Sempre sendo alertada de que ele poderia usar um lápis de cor para enfiar na garganta dela. 
Aos fim do terceiro mês ela adentrou o quarto como fazia todos os dias. Mas ele estava de pé, ao lado da cadeira que ela sempre usava. Ele virou a cadeira e a ofereceu a ela. Ele tinha os cabelos molhados, e a camisola fora substituída por indicação dela por uma roupa mais adequada. Agora usava calça e camisa, brancas como sempre. Os pés descalços diziam o quanto ele se sentia a vontade diante dela. 
–Olá, Bruno! 
–Oi! –ele respondeu, pela primeira vez! 
Para ela, ouvir a voz dele foi uma enorme surpresa. 
–Tudo bem com você? –ela perguntou, com uma expressão alegre no rosto, mas ele se retraiu, assustado. Ele apenas acenou concordando. Ela sentou na cadeira que ele ofereceu, e ele andou até seu lugar rotineiro, e sentou sobre as pernas ao pé da cama. 
Ele parecia impaciente naquele dia, como se algo o incomodasse. Ele começou a coçar o meio da mão direita em um sinal de nervosismo. 
–Bruno, há algo que queira me falar? –Perguntou calmamente. Ele acenou em sinal de sim. –Pois diga! Ou você pode desenhar, ou escrever para mim! –Ele negou com a cabeça. –E que tal usar as palavras? Vamos, deixe-me ouvir sua voz! Um rapazinho tão bonito deve ter uma voz linda. 
Um tempo se passou. Micaela já olhava o relógio, esperando o momento de dar as costas e sair. Mas o importante é que ele avançou um pouco. Já era algum mérito. Quando ela levantou, para sair mais cedo e dar espaço a ele, então Bruno resolveu reagir:
–Não vá! –seus olhos pediam mais que suas palavras. Ela assustou-se com tal atitude, mas sentou novamente. 
–Certo, eu fico. Mas por que quer que eu fique? 
–Seguro. Eu me sinto seguro! –ele falava pausadamente. –Eu fico bem com você aqui.
–E quando eu saio, o que sente? –cautelosa.
–Vontade de morrer. 
–Você sabe por que está aqui, Bruno? 
–Sim! Eu não fiz nada. Eu podia ter ajudado ela. E não fiz nada a tempo. Liguei tarde... –ele começava um choro baixinho. 
–Não, Bruno, você fez o que pôde! Você é apenas uma criança. Não havia muito o que ser feito...
–Sim, havia! –seu choro aumentou. Ele estava se agitando. –Ela estava amarrada na cama por vários dias! E tudo por minha causa... –ele se encolheu no chão. Parecia um feto, deitado e chorando. Micaela não soube o que fazer. Estava aturdida. Era a primeira vez que ele falava. O progresso em um dia fora maior que em três meses inteiros. 
Micaela foi levada da sala e por aquele dia, em meio à agitação do menino ele foi sedado. E Micaela foi dispensada por dois dias para que pudesse se recompor. Mas do contrário de muitos, ela não se deixou levar pela ordem e retornou no dia seguinte para ver o menino. E ele estava da mesma forma quando ela chegou. A esperando!
–Oi, Bruno! –ele não respondeu. Deu as costas para ela, e caminhou pelo quarto. 
Após um tempo ele virou-se para ela, que nem esperava que ele abrisse a boca para falar naquele dia. 
–Me desculpe por ontem... –ela levou uns minutos para assimilar a atitude do menino. E em seu silencio permaneceu, para que ele tivesse seu próprio espaço, e ele continuou. –É que não é fácil tocar nisso! E eu sei que estou doente e que você quer me ajudar. Só não sei se consigo...
–Bruno, eu passei três meses esperando que me desse um simples oi, e isso, lá fora é um grande avanço de sua parte. Eu não espero chegar aqui todos os dias e ouvir de você as mesmas coisas, ou que me conte a cada dia um trecho, mas para ouvir quando estiver pronto para me dizer... Eu me preocupo com você! –suas palavras afetaram a ela. 
O menino andou até ela, e tocou os cabelos longos dela, que negros, caiam em cascatas. O menino sorriu pela primeira vez desde que o vira. 
–Você me lembra ela! É linda e persistente! E isso não é bom. Ela persistiu quanto a manter um caso com outro homem, e papai descobriu... Ele a amarrou na cama e passaram-se dias assim. Ele pedia para ela jurar que nunca mais olharia para o amante. Eu ouvi muitas vezes ela negando isso ao meu pai. –as palavras do menino eram frias, duras como rocha. Não era atoa que ele estava naquele lugar. Ele presenciou horrores. –E quando ele cansou de insistir com isso e ela irredutível não aceitou, ele fez o que fez. 
–Você assistiu à tudo? Onde você estava? E como viveu este tempo todo? 
–Assisti sim, a tudo! Eu estava o tempo todo na parede. Aquele lugar me escondia todos os dias. E eu sempre ficava lá, a observando. Eu poderia ter soltado ela da cama, e fugido com ela, mas ele iria atrás de nós e eu seria o traidor. Mas o mais simples de tudo foi sobreviver. Eu nunca precisei de muita coisa. E estava na minha casa. Tinha minhas roupas e alguma comida e dinheiro que sobrou. Depois fui gastando um pouco dinheiro que eu tinha no esconderijo. 
–E por que os gatos? Por que fez aquilo tudo? 
–Quando eu fiquei sozinho e dormia no esconderijo, com medo de alguém invadir a casa e me pegar no quarto e me levar para algum lugar, eu fiquei com a mente perdida. A única coisa que eu lembrava era de como ele matou mamãe. –ele não era mais o menino de antes, não aquele que acariciou os cabelos dela. Não aquele que deu um oi com voz macia. Era macabra e doentia. Parecia que o Bruno havia dado vaga à outra pessoa. –E a vontade de reproduzir a cena me consumia. E até fugi por um tempo destes pensamentos, mas houve um momento em que não consegui segurar-me. Eu só conseguia pensar no quão gostosa seria a sensação de deslizar a faca pela pele se algum ser. E eu fiz a primeira vez, e gostei. Era maravilhoso sentir uma vida se esvaindo pelas suas mãos. E quando comecei a fazer, passei a dormir melhor. E cada vez mais eu precisei repetir. E depois comecei a sentir vontade de sentir o sabor do sangue e muitas vezes eu bebi, nas taças caras de mamãe. 
O sorriso de lado no menino a deixou desconfortável. A forma como ele se expressava e suas revelações eram de embrulhar o estomago. Mas ela precisava se controlar. Ela era uma profissional e era a única capaz de fazer ele falar. E agora, graças a ela, a plateia na sala de monitoramento estava se divertindo. 
–Eu já falei tudo. Então você pode me deixar sozinho ou pode me levar para um passeio. –sorriu, arteiro. 
–Apenas mais uma pergunta. Posso? 
–Claro! 
–O que você faria se saísse lá fora e visse outras pessoas, e talvez animais? 
–Eu não sei! Mas acho que tanto tempo aqui e depois de conseguir colocar para fora tudo, posso conseguir me restaurar. –era mesmo uma criança falando? 
–A gente pode fazer alguns testes, caso queira! Eu dou um jeito de você ser liberado para andar pelo pátio, e posso analisar como age em meio aos outros. É uma tentativa. E pode ser sucedida. Mas você tem que prometer que manterá distancia dos gatos. Tudo bem para você?
–Tudo bem! 
Naquele dia, ao sair do quarto do menino, havia uma comitiva enorme a espera de Micaela lá fora. Foram horas de discursões e debates. Era uma tentativa arriscada, mas deveria ser pensada. E todo o ambiente teria que ser adaptado para que não pusessem a vida de nenhum paciente em risco. 
No dia seguinte Bruno colocou os pés para fora do quarto, assustado com a quantidade de pessoas. Ele foi apenas liberto do quarto, sem acompanhamento. Micaela o acompanhando de longe. O dia todo correu assim, e tudo deu certo. Naquela noite houve uma nova reunião e decidiram pelo voto de confiança de que o menino poderia evoluir em meio a outras pessoas. Assim, todos os dias o seu quarto seria aberto e ele poderia transitar pelos pátios da clinica, mesmo sem falar com as pessoas. 
Um ano se passou desde que Bruno chegou àquele lugar e todos acreditaram em sua regeneração. Ele dizia não lembrar mais o que era a sensação de matar, e afirmava sentir medo e vergonha, por tudo o que havia feito. 
Segundo os médicos, ele estava pronto para conhecer sua nova casa e tentar uma vida em família. O liberaram e sua guarda foi concedia ao seu tio Jamarcus, que lutou muito para tê-lo em casa. 
Mas será que Bruno foi sincero com todos na clinica? Seu tio o recebeu bem e lhe deu novo lar. O tio conversou com ele e disse que faria o possível para que ele fosse feliz naquele lar. Prometeu a Bruno que ele teria tudo o que estivesse ao alcance do tio. 
–Posso ter um cachorro, tio? 
–Claro, meu garoto! Hoje mesmo iremos ao pet shop e você poderá escolher o cão que você quiser! –falou animado. 
–Obrigada, Tio! –Bruno o abraçou. 
No meio da tarde havia um Golden Retriever correndo pela casa. E quando as luzes da casa de apagaram naquela noite e o pequeno Golden adormeceu, ao lado da cama do menino, foi surpreendido por um plástico encobrindo seu rosto e o sufocando. Por sorte o cão conseguiu ganir e despertou Jamarcus. 
Na seguinte manhã o menino estava voltando para a clinica. Não havia muita coisa a ser feita por enquanto. 
E no fundo, embora ele nunca confessasse, mas seu desejo de reproduzir a cena da morte da mãe jamais o abandonaria. E o profundo escuro dos olhos do menino sempre seriam uma imensidão de pensamentos insanos que jamais findaria. 
Fim! Ou não.


                                                 

2 comentários:

  1. Talvez, não.
    A conto continua na imaginação. Onde estará ele (menino) agora? Será que ja domou seus demônios?
    Bela narrativa, Mércia Ferreira.
    Obrigado!

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  2. Gostei! O final deixa o restinho de intriga que todas as histórias precisam e que, infelizmente, muitas vezes não têm. Parabéns!

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